23 de jun. de 2011

Escuta!

Escuta!
tem alguém que lhe sopra os ouvidos
a cantarolar a suave vertigem dos prazeres.
Grita!
Desnuda o silêncio da tua língua,
Imposta a tua voz rebuscada de cacos
Serpenteia tua sorte no jogo de azar.
Escuta mais uma vez
O que digo
Não falo ao vento,
Mas a ti, soturno, elevo a voz.
Escuta, asno!
Escuta!
A reprimenda do teu sono
Ressoa tua morte
Se me escutasses, ao menos,
Correrias de tua sombra,
Mas andas sem nada a temer
E por isso cairás.
Escuta, suplico-te!
Para o bem da humanidade,
Joga fora o peso do mundo:
A fome, a lepra, a cegueira, o jogo, o sexo, a lama, o álcool, o trabalho, a tolice, a mesquinhez, o fumo, os falsos, a merda,
Larga tudo!
Vá embora, deixa a cada um o que o porvir lhe couber
Esquece teu sacrifício,
Não morre por ninguém
Desce de tua cruz
Volta à corja dos deuses.
Deixa-nos aqui com nossa humanidade.
Escuta, por favor, este suplício,
De quem não mais agüenta honrarias
Nem gratidões nem sacrifícios
Escuta!
Dança com os anjos a valsa dos deuses.
Esquece-nos aqui, a escrever poemas no lodo.
Deixa a coroa de espinhos conosco
Nós a destruiremos
Vai e diz a teu Pai,
Se é que o tens,
Que não há mais espera,
A dor dos homens já foi muita
A cólera tardou os ânimos, mas não os destruiu.
Escuta!
Escuta, pela última vez, minhas palavras:
Sobe, e finge que não nos conhece,
Porque o céu só quer aos limpos,
A humanidade quer a todos:
Pobres e bandidos e poetas e prostitutas e velhos e crianças e artistas e maltrapilhos e dançarinas e alcoólatras e loucos
e

9 de jun. de 2011

A tentativa de manter-me sempre inteira tem me tornado, quem sabe, estrangeira. Há um tempo, eu caía e me afundava no tombo; agora, caio, levanto e sigo como se nunca tivesse caído. Há uma mudança terrível aí. Parece que o rio da indiferença anda a banhar-me. Os gestos já não me tocam como antes, nem nada me arrepia tanto. Virei clandestina de mim mesma, de modo que não me importo mais a mim. As ações humanas me rodeiam e fico ali prostrada a contemplá-las como quem contempla uma paisagem. Não tenho palavras bonitas a dizer. Não quero dizer nada. Só me habita o silêncio. Não quero falar, muito menos pensar. E estão todos sempre a pedir-me uma opinião. Não quero emiti-la. Quero somente observar e perder o olhar num ponto de fuga, eximindo-me de qualquer culpa. Quem opina é responsável pelo que diz. Não quero responsabilidades. Basta-me existir assim, como todas as coisas existem, quietas e sorrateiras, sem grandes pretensões para o mundo. Sem memórias de desespero. Assim: uma reticência sentada num vale a contemplar o horizonte...
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Viajante espacial da poética atemporal.

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