15 de nov. de 2012

Há tempos sou incapaz de findar um poema


Há tempos sou incapaz de findar um poema
Eles ficam trôpegos, a vagar por aí inconclusos
Cheios de vida e
de repente:
Mortos,
sem saída.
Feito criança que pula brinca corre e tropeça no próprio passo
Eles são e não podem ser
Frágeis de nascimento
Fortes na caminhada
Correm por entre paredes e casas e sonhos
Mas nada
Não posso fazer com que se concluam
Inacabados como a vida
Adormecidos como a morte
São palavras e versos andarilhos
Que vagam sem rumo
Ressoam no asfalto
Encontram ou não corações baldios
e se esgotam

11 de jun. de 2012

Vontade de alma


Nunca há a certeza, mas a alma é um gozo enorme. Você nasce, pisca, cresce, ama, dilacera, sofre... Há gozo maior que tudo isso? Ainda sente a ternura que é viver o pôr-do-sol, a lua cheia, a brisa, o mar batendo sorrateiro suas ondas de espuma... Você escuta o arder do fogo, o suspiro do vento, o arranhar das entranhas, e ainda quer mais. Então eu lhe digo: tem flor que brota no asfalto e não se vê; para o amor humano há o silêncio universal, há o silêncio dos astros, os espaços de longitude e latitude onde nenhum tratado de tordesilhas dividiria, onde nenhum estrangeiro qualquer ousaria vestir a indumentária da superioridade. A natureza goza continuamente o que escondemos, o que nos envergonhamos, o que relutamos e movemos para as sombras do ínfimo. Mas a natureza goza, e isso é o que importa. Ela goza partilhas, serenos de madrugada, luzes de velas, orvalhos... ela goza tudo o que perdemos de vista. Não há amorosidade maior que a das montanhas perdidas nos horizontes de além-mar. E toda aquela explosão de chuva amarela, azul, laranja, sedenta de esperança verde, de futuro em broto, que é a madrugada. Sonhar cada amanhecer como sendo o único, cada florescer como o mais colorido, cada som como uma rajada de acordes celestiais, mais o gosto da água transcendente. Nunca há a certeza, mas a alma está tão próxima do abismo quanto a filosofia das coisas do mundo, aquela filosofia que se resume no gozo perpétuo, no parto das imensidões, na flor do fruto. Eu quero mais do dia do que posso sentir, eu quero mais alma do que posso ser, mais efemeridade nos meus quintais, porque vida não se resume a versos ou canções. Eu quero ser mais abismo que sonhos, mais madrugada que raios, mais explosões que anseios. Porque a alma, inevitavelmente, é um gozo enorme. E somos todos a prole desse gozo.

8 de mai. de 2012

Pre-gui-çar:

Verbo que pinga
Gota por gota, bocejo por bocejo
E dorme de brincar
Ando preguiçando estrelas no meu quarto de sonhar
Bugigangas me preguiçam muito
Hoje preguicei de tanto pingar is
Preguiçar é verbo que caminha lento
Não faz parte do léxico dos apressados
Eu preguiço tanto que não sei pisar: flutuo
Largo por aí rastros de dengo-preguiça
Cafés me des-preguiçam logo
Chocolates perfuram ninares
Coração enguiça, e paro
Obsoleta à moda da casa
Descasco, sofrendo, cebolas e cacos
Preguiçam sobre mim umas sombras de fora
Há os preguiçantes da madrugada a preguiçar pela rua
Eu vi meu reflexo no espelho
Ele tem cor de preguiça
Ele tem cor de morango
Gôsto de dias nublados
Ele tem cor de mim

27 de mar. de 2012

Poema pro Março costumeiro

Este Março queria passar
Sem que eu lhe notasse
Mas como de costume,
Não posso deixar de entoar-lhe
Minha humilde ode

Mais um Março se vai
Puro peixe que sou,
Faço juz a meu
Mar
ço só
nado por entre corais
busco meus ancestrais
que a terra levou
e o Mar consagrou
em mim

durmo a sentir dolorir
o sonho que o mar delegou
clamo ao Março,
morMaço de mim,
que a luz incendeie
meu corpo com ardor

Março me passa
Sem Elis, nem Tom
Nem Cachaça
Março só-corre
O meu tempo é que é sorte

Espreita o outono na janela de Março
Bate na porta um ventinho
Frescal
Cobre de versos a minha alvorada
E faz sol.

18 de mar. de 2012

La tierra giró para acercarnos

La tierra giró para acercarnos,
giró sobre sí misma y en nosotros,
hasta juntarnos por fin en este sueño,
como fue escrito en el Simposio.
Pasaron noches, nieves y solsticios;
pasó el tiempo en minutos y milenios.
Una carreta que iba para Nínive
llegó a Nebraska.
Un gallo cantó lejos del mundo,
en la previda a menos mil de nuestros padres.
La tierra giró musicalmente
llevándonos a bordo;
no cesó de girar un solo instante,
como si tanto amor, tanto milagro
sólo fuera un adagio hace mucho ya escrito
entre las partituras del Simposio.

Eugenio Montejo

24 de jan. de 2012

Chuva de desprezo


A chuva de pedra que cai por aí
Mata nossos homens, nossas mulheres e filhos
Enchente de rios de gente
Lama de sonhos frustrados
Tetos que vão abaixo
Lares que se calam

Mas o amor permanece
Quem fica chora pelos que foram
Força não falta na lágrima que cai
Do velho que perde o neto
Do moço que perde a amada
Da mobília toda molhada que já não presta mais

Mas o amor permanece
Mesmo sabendo que todo janeiro é assim
As águas do verão a pôr abaixo tanto coração
Tanto tijolo, tanto cimento,
Deixa solidão gritar ao vento
Que os seus entes perdidos
Foram queridos anônimos
Que a terra pôs-se a engolir

Mas o amor permanece
Ainda não havendo medidas
Que poderiam ser preventivas
Mesmo com tanto político
A representar com ternos cheios de esmero
Contas bancárias de notas
Promessas inchadas de desprezo,
Eles esperam:
A contenção das encostas sofridas
A construção de casas-abrigos
O pagamento da bolsa-morada
O retorno à mesa em família

Mas o amor permanece
Ausente de mesa ou de família.
Porque nossos homens não voltarão
Nem as mulheres os filhos ou netos
Somente as lembranças que deles nos restam
Tampam o buraco da dor

Para as autoridades,
Ministério da Integração Nacional
ou das Cidades, porém,
O buraco não é tão fundo
E não há amor que permaneça
Em suas seguras mansões de vidro,
Pensam mórbidos, vencidos:
“Agora que não têm mais família,
Aqueles pobres mendigos,
Pra quê precisarão de casas?
Bastam-lhes os abrigos”.

10/01/2012
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Viajante espacial da poética atemporal.

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