Nunca há a certeza, mas a alma é um gozo enorme. Você nasce,
pisca, cresce, ama, dilacera, sofre... Há gozo maior que tudo isso? Ainda sente
a ternura que é viver o pôr-do-sol, a lua cheia, a brisa, o mar batendo
sorrateiro suas ondas de espuma... Você escuta o arder do fogo, o suspiro do
vento, o arranhar das entranhas, e ainda quer mais. Então eu lhe digo: tem flor
que brota no asfalto e não se vê; para o amor humano há o silêncio universal,
há o silêncio dos astros, os espaços de longitude e latitude onde nenhum
tratado de tordesilhas dividiria, onde nenhum estrangeiro qualquer ousaria
vestir a indumentária da superioridade. A natureza goza continuamente o que
escondemos, o que nos envergonhamos, o que relutamos e movemos para as sombras do
ínfimo. Mas a natureza goza, e isso é o que importa. Ela goza partilhas,
serenos de madrugada, luzes de velas, orvalhos... ela goza tudo o que perdemos
de vista. Não há amorosidade maior que a das montanhas perdidas nos horizontes
de além-mar. E toda aquela explosão de chuva amarela, azul, laranja, sedenta de
esperança verde, de futuro em broto, que é a madrugada. Sonhar cada
amanhecer como sendo o único, cada florescer como o mais colorido, cada som
como uma rajada de acordes celestiais, mais o gosto da água transcendente. Nunca
há a certeza, mas a alma está tão próxima do abismo quanto a filosofia das
coisas do mundo, aquela filosofia que se resume no gozo perpétuo, no parto das imensidões,
na flor do fruto. Eu quero mais do dia do que posso sentir, eu quero mais alma
do que posso ser, mais efemeridade nos meus quintais, porque vida não se resume a versos ou canções. Eu quero ser mais abismo que sonhos, mais madrugada que
raios, mais explosões que anseios. Porque a alma, inevitavelmente, é um gozo
enorme. E somos todos a prole desse gozo.
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