25 de mai. de 2011

A boniteza do dia

Há um tempo que as histórias de vida vêm sendo banalizadas, como se carregassem em suas costas um fardo que fosse mais grandioso que suas próprias narrativas. O fardo é a falta de tempo, a grande justificativa utilizada para engabelar o próprio existir. A escassez de tempo para as coisas simples é quase sinônimo de “preciso ganhar dinheiro”. E até quem não precisa ganhar dinheiro “precisa ganhar dinheiro”. E o pior: o tempo não pára, estamos morrendo a cada segundo, morrendo e ganhando dinheiro. Se a cada dia novas tecnologias estão sendo criadas, tornando obsoletas as de ontem, e demarcando um terreno de instabilidade e dúvida, também a cada dia crianças vêm ao mundo e, como já palavreou Guimarães Rosa, “quando um menino nasce, o mundo torna a começar. Aí reside a boniteza ao lado de uma crueldade: “o mundo torna a começar”a todo instante e não nos damos conta, porque somos nossos demais para ser do outro também, porque nosso umbigo é nosso mundo, e é um mundo que não torna a começar, porque está velho e cansado demais, e anda de carros-muletas-importados, ganha dinheiro e está morrendo. Mas o recém-nascido é o avesso da frieza, é a esperança, é o mundo brotando sereno e alegre, e nesse alvorecer da vida deveríamos nos banhar, tornando cada dia de nossa passagem pelo mundo, um novo afluente de rio, único e indispensável. Pergunte à maioria, “como são seus dias?” e terão como resposta: “são todos iguais, a rotina me mata”. E mata mesmo. Mata tanto que a acomodação é evidente nesses casos, a pura alma da morte. Às vezes acordo pela manhã me perguntando quanto de calma será necessária para que meu dia seja bonito. E caio em mim, percebendo que estou planejando o implanejável, ansiando por algo que está aquém de meus próprios anseios, pois somente a alma do instante poderá trazer a calma necessária à boniteza de um dia. E o instante é a vida que pulsa, é o corpo que cria, é o coração que sente. Não é previsível, mas inevitável. Tenho a impressão de que os fiéis seguidores de seus hábitos rotineiros só escaparão de suas amarras quando um dia, por um milagre da vida, descobrirem com seus olhares cabisbaixos, bem abaixo de seus umbigos, uma flor em explosão.

Um comentário:

  1. Concordo com isso, o Tempo é o grande problema do mundo. Precisamos dar um jeito de vencê-lo, virá-lo do avesso, mas é muito difícil.

    Acho até que precisamos de novos tempos verbais (e não-verbais); talvez seja na linguagem - e na arte, portanto - que consigamos.

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Viajante espacial da poética atemporal.

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